O tema não é novo mas ganhou grande notoriedade esta semana, quando o Superior Tribunal de Justiça-STJ decidiu que um pai deveria reparar os danos afetivos experimentados por sua filha. O valor da reparação (R$ 200 mil) e uma reportagem no programa (???) Fantástico de hoje (06/05, que não assistirei por questões de princípio) devem dar grande repercussão ao assunto.
O assunto é interessante. Os pais/mães têm deveres em relação aos filhos (isto é óbvio), mas a decisão do STJ (em consonância com diversas outras decisões espalhadas pelo Judiciário brasileiro) estabelece um "dever de cuidado"capaz de gerar responsabilização civil. Em outras palavras, os pais devem cuidar dos filhos, independente de estarem com a sua guarda (no caso de não viverem mas com os filhos) ou mesmo de gostarem de seus filhos (uma hipótese aparentemente absurda, mas que deve ser contemplada sem maiores julgamentos morais). Importante lembrar que não se trata do dever relacionado à manutenção dos filhos (pensão alimentícia). isso é outra coisa. Aqui se trata do tal "dever de cuidado"que extrapola o dever de cuidado material. Quase como demonstrar que gosta (ou pelo menos se importa) dos seus filhos.
A decisão parece acertada (óbvia até) dentro dos padrões de "normalidade" das famílias brasileiras. Afinal, que tipo de pai/mãe é capaz de desprezar seus filhos? E se for, que pague por isso!!!
Apesar disso, acredito que as razões de decidir (ou fundamentos) do STJ são problemáticos e esbarram em uma grande dificuldade de definição sobe a natureza ilícita desta "falta de cuidado".
No caso específico, a reparação civil decorre dos danos morais experimentados pelos filhos com a ausência do pai/mãe e tais danos (no caso específico) só devem ser reparados diante da ilicitude do ato/omissão do agente (pai/mãe).
Não duvido que muitas pessoas tenham suas vidas abaladas pela ausência do pai/mãe. A questão é que a decisão até pode ser dirigida aos pais/mães ausentes. Entretanto, seus fundamentos dizem respeito ao impacto das ações/omissões dos pais/mães na formação dos filhos. Então, podemos ter mais um problema.
A "falta de cuidado" não é exclusividade de pais/mães ausentes. Ao contrário, acredito que a propalada "falta de cuidado" é uma característica bem comum entre pais/mães "presentes". Pais/Mães que trabalham demais, que vivem viajando, que têm dependência química, que têm dificuldade de demonstrar (ou mesmo sentir) afeto pelos seus filhos também podem causar (e causam) danos aos seus filhos. Danos maiores ou menores que os pais/mães "fisicamente" ausentes é difícil dizer.
Se o Judiciário entende que apenas a "presença física" significa a garantia do "dever de cuidado" está reduzindo o problema. E se, por outro lado, passar a exigir um modelo de efetivo "dever de cuidado" entre pais/mães presentes e ausentes, extrapola em muito a sua competência (aqui entendida em todos os sentidos).
A decisão (e sua confirmação como tendência jurisprudencial) pode causar situações constrangedoras. Por exemplo, o pai/mãe irá atender ao direito de visita (que é do filho), mas e daí? A relação com seu filho vai melhorar? O filho se sentirá prestigiado e "cuidado" por isso? As visitas quinzenais (os tão conhecidos finais de semana alternados) são suficientes para caracterizar o "dever de cuidado". Dia das crianças, aniversários, natal, dia dos pais/mães podem ser esquecidos? Afinal, qual o conteúdo do "dever de cuidado" para que o Judiciário possa punir (função punitiva da reparação do dano moral) os pais/mães ausentes?
Acredito que a decisão do STJ da última semana é realmente uma tendência, só não estou ainda convencido da adequação de seus fundamentos.